domingo, 20 de outubro de 2013

Ensaio sobre algumas iniciativas de integração Regional na América do Sul.

O processo de integração da América do Sul toma corpo após década de 90 com o fracasso da integração latino americana através do ALCA. Ficou provado que as políticas neo-liberais que os EUA tentavam impor ao continente não funcionariam em benefício dos países menos desenvolvidos. Os governos da época ainda eram fracos politicamente e não tinham força para barganhar benefícios sob qualquer acordo com os EUA. A dinâmica dos acordos bilaterais e mesmo a formação de blocos se dava da maneira de que os EUA impunham e os países Latinos aceitavam. Eles não abriam mão das suas barreiras e proteções de modo que pouco se obtinha de ganho para os países menos desenvolvidos. O resultado desse processo foi o aumento da concentração de renda nos países ricos e também ficou marcado o aumento da pobreza dos países que já eram pobres. Elevados índices de analfabetismo e sub desenvolvimento foram também observados nesse período. Com isso a população do Sul já não mais suportaria impassível esses acontecimentos de maneira que uma série de manifestações se fizeram presentes após esse período levando alguns presidentes à renúncia e a não reeleição. Basicamente, presidentes muito alinhados com as políticas norte-americanas não conseguiram se manter no poder e uma tendência nacional-esquerdista marcou então a América do Sul. Além disso, a crise econômica enfrentada pelos EUA na década de 2000 estimulou os países do eixo sul a buscarem novos parceiros, principalmente comerciais, para minimizar a sua dependência dos EUA. Foi o caso do Brasil, Argentina, Venezuela, dentre outros. No seio da América do Sul, a derrocada da ALCA fortaleceu a idéia do Mercosul e mostrou para estes países que outras alternativas de parcerias eram possíveis e até proveitosas para os países em desenvolvimento. O Brasil pode ser encarado como uma referência nessa diversificação de parceiros e fortalecimento de sua economia no período sem necessariamente depender dos EUA. Além disso é possível observar após a década de 90 o fortalecimento de outras formas de integração regional que não incluem os EUA e que foram firmadas algumas apenas entre países do eixo Sul e outras incluindo países da América Latina. Iniciativas como a Unasul, Mercosul, Calc, Celac dentre outras mostram o fortalecimento continental sem a presença dos EUA efetivamente atuando. Conforme abordado na apresentação cada um desses acordos ou organizações continentais foram constituídas com propósitos diferentes e em alguns casos envolvendo os mesmos países em momentos diferentes. Para entender melhor esse processo de integração regional, podemos ver algumas das iniciativas isoladamente. Inicialmente o CALC, Cúpula da América Latina e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento foi a primeira iniciativa de integração regional desde meados do século XX na América Latina. Esta iniciativa partiu do governo brasileiro ao convocar esta cúpula e sediá-la em território nacional, a saber, Costa do Sauípe, Bahia. O objetivo desta cúpula era estabelecer uma agenda comum aos Estados baseados na identificação de problemas comuns que poderiam ser tratados de maneira conjunta e beneficiar a todos. A CALC não se constituiu uma organização internacional nem se propôs a isso. O objetivo dessa iniciativa era de discutir de maneira conjunta e regional os problemas em comum do continente e fortalecer o diálogo entre esses países e posteriormente reforçar a integração regional a partir de outras iniciativas como veremos adiante. Trinta e três países fizeram parte desta cúpula e ao final elaboraram a Declaração Salvador que posteriormente se tornou um instrumento incorporado na fundação de outra iniciativa de integração regional, com objetivos institucionais, que é o CELAC como veremos adiante. O tema central da CALC foi a integração e desenvolvimento sustentável e os Chefes de Estado destacaram a importância da integração regional, cooperação, desenvolvimento sustentável, erradicação da pobreza, promoção da justiça social e fortalecimento da democracia. Outros assuntos também se fizeram presentes nessa reunião como as Ilhas Malvinas, o bloqueio econômico de Cuba, dentre outros. A Unasul, União das Nações Sul Americanas é uma organização internacional formada por doze países, Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Uruguai, Suriname e Venezuela que tem por objetivo construir um espaço de articulação entre os Estados nos assuntos políticos, sociais econômicos e culturais no continente. Essa organização é inaugurada pelo Tratado de 23 de maio de 2008 fruto da Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e Governo e entra em funcionamento efetivamente em 11 de março de 2011 após conseguir as 11 ratificações, mínimo necessário para entrar em vigor. A estrutura da Unasul é dividida da seguinte maneira: Conselho de Chefes de Estado e Governos, Conselho de Ministros das Relações Exteriores, Conselho de Delegados e Secretária Geral. De maneira resumida, é possível falar que a Unasul tem por prioridade atuar em assuntos estratégicos do continente para fortalecer as conquistas alcançadas, desenvolvimento, erradicar a pobreza, reforçar o respeito aos direitos humanos e eliminar armas nucleares e de destruição em massa, intensificar a integração regional, baseando no respeito da soberania dos Estados, a pluriculturalidade e de idiomas do continente, a representatividade continental e também nos ganhos já alcançados por outros mecanismos e iniciativas já consolidadas como o Mercosul. Esses príncipios estão colocados no Tratado constitutivo do bloco. É interessante notar que até mesmo em assuntos de defesa a Unasul tem uma atuação bem forte e, na promoção da transparência entre os Estados. Além disso, avanços significativos já foram logrados na área da saúde com a criação da ISAGS, que é o Instituto Sul-Americano de Governança em Saúde que tem sua sede no Rio de Janeiro e que tem por objetivo apoiar os países sulamericanos no fortalecimento dos seus sistemas de saúde e o desenvolvimento adequado dos recursos humanos, gerenciando os conhecimentos já existentes e produzindo os que ainda se fazem necessários. Por fim é possível também acompanhar algumas das decisões da Unasul e os protocolos já gerados dessas reuniões que reafirmam princípios de fortalecimento da Democracia, transparência e confiança entre os Estados Membros. A Celac, Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos, foi criada em fevereiro de 2010 através da Cúpula da Unidade da América Latina e do Caribe realizada na Riviera Maya no Mèxico. A Celac é fruto das CALC's já realizadas e foi idealizada a partir da II CALC em 2009 e prevista para incorporar os trabalhos da III CALC realizada em 2011. A Celac absorveu os trabalhos do Grupo do Rio(1986) e das CALC's para sua constituição abrangendo assim a concentração política proposta por um e a integração e desenvolvimento pela outra iniciativa. Esta talvez seja a razão que explique o fato de inúmeros documentos da CELAC fazerem alusão ou mencionarem diretamente essas iniciativas anteriores. O principal fator de integração regional fruto da CELAC é o fato de ela estabelecer, ou manter, linhas de diálogo político entre seus membros, herdadas do Grupo do Rio, que fortalece a concentração política do continente e revela-se um forte instrumento de fortalecimento da confiança entre os Estados e de promoção da democracia de uma maneira geral. No que diz respeito aos projetos de desenvolvimento, ações específicas estão sendo tomadas e projetos específicos são levados a frente de acordo com as comissões e comitês criados. Para este caso específico da CELAC ainda não se pode encontrar muitas decisões ou ações efetivas que foram adotadas no âmbito do desenvolvimento integrado devido à fase inicial da organização. Fundada especificamente em 2011, esta organização ainda se mostra em fase de estruturação institucional e suas reuniões ainda não avançaram muito em relação aos projetos na área do desenvolvimento regional ficando apenas as decisões dos seus predecessores CALC e Grupo Rio nas suas matérias específicas. Sob uma perspectiva estritamente pessoal a CELAC muito se assemelha à Unasul na sua proposta de integração diferenciando-se basicamente pela atuação nas áreas de defesa que inicialmente não está prevista na formação da CELAC. Além disso a criação de uma identidade política supra nacional no continente, como ulteriormente prevê a CELAC é um proposito que não se mostra explicito no caso da Unasul, se o existe. Um outro componente muito forte da integração regional da América do Sul é o Mercosul. A ideia de unificação regional de mercado nasce com o Tratado de Assunção em 1991 após uma reunião de cúpula entre chefes de Estado e sua assinatura. Em dezembro de 94 ele entra em funcionamento efetivo com a ratificação dos Estados-Parte e com a aprovação do Protocolo de Ouro Preto que institucionaliza o Mercosul lhe conferindo personalidade jurídica internacional. Esse instrumento de integração tem objetivos específicos previamente definidos e atua especificamente nessas áreas que são a integração regional para o livre circulação de bens e serviços entre os Estados-Parte, o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEF), o estabelecimento de uma política externa comum, a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e a harmonização das legislações nas áreas pertinentes. Inicialmente o Mercosul contava com quatro Estados-Parte, a saber, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e em 2012 aconteceu a sua primeira ampliação com a inclusão da Venezuela ao bloco. É digno de nota porém que, o processo de adesão da Venezuela ao bloco se deu em meio a uma situação bastante conturbada pois todos os membros possuem igual peso e direito a um voto cada. As decisões no Mercosul são tomadas a partir da unanimidade e, com a recusa histórica do Paraguai em aceitar a Venezuela, o processo de integração desta demorou muito a acontecer vindo a se findar somente em 2012 em detrimento a suspensão do Paraguai do bloco. O fato a destacar aqui, em meio a esta relação não tão coesa dos Estados-Parte em relação a certos assuntos, é que o Tratado de Assunção permite a negociação do bloco com países membros da ALADI e uma consequente entrada de algum desses países no bloco. Além disso, o Mercosul também tem uma relação com os chamados Estados Associados que podem usufruir de benefícios em negociar do bloco mas a principal diferença com os demais é o fato de não exercerem o voto. O próximo Estado Associado que está em processo de adesão é a Bolívia. Como processo de aperfeiçoamento dessa iniciativa de integração algumas reuniões e decisões já foram tomadas originando órgãos diversos ma estrutura do bloco. Por exemplo o Sistema de Pagamento em Moedas Locais que já funciona entre Brasil e Argentina, o FOCEM (Fundo para Convergência Estrutural), o Fundo do Mercorul de garantia para micros e pequenas empresas. Além disso em 2002 foi aprovado o Protocolo de Olivos que é um instrumento de solução de controvérsias que cria o Tribunal Permanente de Revisão que tem a obrigação de garantir a correta interpretação e cumprimento das normas do bloco. Em 2006 é constituído o Parlamento do Mercosul que garante transparência e representatividade ao processo de integração. No campo social é criado o Instituto Social do Mercosul e a Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do Mercosul. Nesse caso esses órgãos atuam na área de ciência, educação, tecnologia, inovação e capacitação. Como mencionado anteriormente o sucesso do Mercosul ficou mais evidente com a derrocada da ALCA. Este bloco foi fortalecido também pela ascensão de governos com ideologias centro esquerdistas que muito criticavam o modelo de política neo-liberal que marcou a década de 90. É válido afirmar também que na prática as decisões do Mercosul são mais efetivas e mais aparentes para os olhos da população de um modo geral. O Mercosul também leva em consideração o fato de que a integração regional lhe confere um maior poder no cenário internacional de o insere definitivamente nesse cenário em condições mais propícias para negociação do que se os países o fizessem individualmente. Os Estados sul americanos perceberam que unidos em um bloco o seu poder de barganha aumenta bastante e lhe permite negociar de maneira mais igual. Isso pode ser observado explicitamente no Artigo I do Tratado de Assunção. Um fator muito importante para o sucesso do bloco é o fato de se ter sido reconhecidas as diferenças entre os Estados-Parte e lhes serem permitidos alguns privilégios adicionais, ou prazos diferentes para o cumprimento de algumas exigências acordadas, para que pudessem se integrar de maneira menos injusta e que também tivesse a oportunidade de adequar seu mercado interno, legislações e etc de modo a se adequar aos padrões do Mercosul. Isso principalmente beneficiou o Paraguai e o Uruguai que não possuem as mesmas condições de concorrência de Brasil ou Argentina. Atualmente o Mercosul tem se consolidado como importante organismo de integração regional para o comercio intra-zona mas também como um ator internacional dotado de personalidade jurídica e poder de assinar tratados com outros blocos ou países. Nunca antes na história a América do Sul ou mesmo a América Latina estiveram tão integrados como agora. A ALADI por fim o maior mecanismo de integração da América Latina e conta atualmente com 13 países membros que juntos totalizam mais de 20 milhões de quilômetros quadrados e uma população de mais de 500 milhões de habitantes. O instrumento constitutivo dessa organização é o Tratado de Montevidéu assinado em 1980, que é aberto a qualquer país latino americano e que prevê o pluralismo em matéria política e econômica, convergência progressiva de ações parciais para a criação de um mercado comum latino-americano, flexibilidade, tratamentos diferenciais com base no nível de desenvolvimento dos países-membros e multiplicidade nas formas de concertação de instrumentos comerciais. A ALADI promove a criação de uma área de preferência econômica na região através de alguns mecanismos como a preferência tarifária regional, acordos de alcance regional e acordos de alcance parcial. O último país a aderir a ALADI foi a República do Panamá em 10 de maio de 2012 e o próximo país que provavelmente entrará e que já está se adequando sua adesão é a Republica da Nicarágua. Por fim, com base em tudo o exposto, é possível concluir que o processo de integração das Américas Latina e do Sul é um fato que já está em curso desde meados do século XX e que tem se fortalecido constantemente através de diferentes iniciativas, na prática umas mais efetivas que outras. Especialmente após a década de 90, essa integração ganhou um pulso a mais em detrimento às consequências, ou os efeitos da globalização como colocada, que só piorou a situação da maioria dos países sub desenvolvidos e, em alguns caso, piorou em muito. A negociação intra blocos se torna cada vez mais fácil devido a minimização das diferenças culturais e pela percepção de que muitas dificuldades são comuns a vários países e que juntos podem combatê-las mais eficazmente. Além é claro que especialmente para assuntos comerciais, em bloco fica muito menos desigual a negociação com outros blocos econômicos e muito menos submissa a relação política com os países desenvolvidos.