quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O regime democrático pode ser imposto?

O regime democrático atual estabelece condições de igualdade entre os homens afirmando que todos são iguais perante a lei, abrindo espaço a todos para o exercício de suas liberdades. Mas nem sempre foi assim. Pode-se, ao recorrer à história, acessar várias informações sobre outras formas de regime que vigoraram por muito tempo e que, mesmo depois de extintos, continuaram a exercer influencia nos regimes subseqüentes e continuaram tendo seus defensores figurando ativamente no cenário político mundial. Também não se pode negar a realidade de que ainda hoje existem outras formas de governo vigorando, que não a democrática. Entretanto a concepção dessa análise é mostrar a irônica contradição de atitudes atuais tiranas mascaradas na democracia.
Tomando os Estados Unidos como alvo dessa análise abrir-se-á um vasto leque de considerações contextuais e teóricas que levam a conclusões nem sempre tão coerentes com a proposta original do conceito de democracia, pois, estabelece cotidianamente regras e imposições em todos os campos das Relações Internacionais às quais muitos países do mundo, vendo-se sem escolha, são levados a acatarem e apoiarem por falta de autonomia suficiente para se oporem. Um belo exemplo disso num passado não muito distante foi a invasão do Iraque. Apesar de ter sido admoestado por mais de uma vez pelo conselho mundial de segurança da ONU a não entrar nessa seara, nada pôde deter o ímpeto ideológico do presidente que iniciou a guerra e hoje não consegue remediar e gerenciá-la. O Iraque foi invadido, por uma guerra não legitima desde a sua concepção. O argumento inicialmente usado para justificar tal atitude irrefreada foi de que suspeitava-se de lá estarem sendo produzidas armas químicas e nucleares, embora se saiba que isso foi apenas uma justificativa para legitimar a ação. Sem ao menos comprovar esta afirmação, o então presidente George W. Bush resolveu invadir aquela nação e nada conseguiu detê-lo e, até agora nenhuma arma, da qual eles afirmavam ter descoberto, foi encontrada.
Isso leva a crer que eles tinham outros interesses ao iniciar uma guerra de proporção tão grande e tão devastadora para os dois lados. O que se pode afirmar com isso até agora é que a intenção deles, do ponto de vista estritamente político, dentre outras coisas, era impor o regime democrático lá. Isso não é perfeitamente legítimo porque, a nação é quem deve discutir sob qual tipo de regime viver. Como os Estados Unidos resolveram atacar o Iraque e lá impor seu regime como sendo uma forma de salvação e resgate para aquele povo, a proposta da democracia nesse caso, não foi tão bem interpretada, pois, se para ela todos são iguais perante a lei, o povo de lá era quem deveria decidir qual o regime que queriam ser submetidos.
Essa concepção do sobre o regime democrático como forma de governo nos EUA começa a ser profundamente considerada, especificamente, após o fim da guerra fria quando uma corrente de pensadores americanos, atuais herdeiros do establishment, denominados neoconservadores começam a ditar o que seria, ou pelo menos o que deveria ser os EUA dali pra frente. Neste contexto afirma-se que, pela primeira vez os EUA tiveram a oportunidade de modelar o sistema internacional de uma forma que intensificasse a segurança e expandisse seus princípios, sem qualquer oposição de um adversário poderoso e determinado. É tão forte a convicção dos neoconservadores de estabelecerem a hegemonia democrática que passam a serem chamados de imperialistas democráticos.
A agenda neoconservadora tem como uma das suas partes centrais a mudança de regime e difusão da democracia. Bush filho, adepto dessa corrente, evidenciou isso no seu discurso de posse do segundo mandato quando declarou algumas idéias tais como: a universalidade dos valores norte americanos e a responsabilidade pela sua difusão pelo mundo, no meio do processo implícito de mudança de regime nos governos de outra natureza. Parece uma missão missionária esse tipo de difusão e imposição à mudança de regime, mas, para melhor compreensão é relevante considerar Roosevelt e Wilson. O primeiro, baseava-se no realismo político, no equilíbrio de poder e no interesse nacional o que imprimia fatalmente uma condição de inércia frente à outros regimes e estabelecia uma agenda internacional menos agressiva. O segundo, Wilson, sustentado na visão messiânica de difundir pelo mundo os valores democráticos que fazem dos EUA excepcional. O então presidente Jorge W Bush, em contraste ao seu pai ícone do realismo político, evidência quase sempre um comportamento wilsoniano e, o ápice está na forma em que ambos cuidaram da questão do Iraque. Bush pai e Clinton preferiram manter o Iraque cercado e sob controle limitando os poderes de Saddam tanto no próprio oriente, como no resto do mundo, já o Bush filho enveredou-se numa cruzada democratizadora do Oriente Médio tomando o Iraque como ponto de partida. O grande objetivo das cruzadas era usar o Iraque como vitrine para os outros países da região que ainda viviam sob um regime totalitarista e induzi-los à mudança deste para o democrático. Não se pode porém afirmar que, esta atitude do atual presidente não teve um precedente histórico. Na época do presidente Kennedy, a mesma atitude foi tomada, porém, contra o Vietnã onde se combatia o comunismo da região. Essa ação tão direta de combate a um regime que não seja democrático pode ser manifestada duma forma mais paulatina e menos violenta. Ao invés de recorrer á guerra, Bush poderia ter sido mais paciente e ter esperado essa resolução mais tempo tratando diplomaticamente do assunto e exercendo outros tipos de pressão que não a bélica. Isso reflete uma intolerância fortemente arraigada que, em sua essência, pouco tem a ver com democracia.
Um outro fator a ser considerado é o fato de os americanos, valendo-se de seu poder econômico e militar, desconsiderarem que, é necessário mais que isso para mudar o regime político duma região. Isso se torna arriscado se considerar os riscos da gigantesca dificuldade enfrentada no Iraque em função desse objetivo. Este fator deveria servir de alarme com respeito aos riscos enfrentados, que deveriam aconselhar prudência, compreensão dos limites e maturação dessas experiências antes de multiplicar o cenário de experimentação. Ao contrário, decidiram eles manter a empreitada a todo o custo esquecendo-se que as pressões que exercem, estão obrigando-os a abrirem comportas políticas em toda região com conseqüências imprevisíveis, isso tudo baseados apenas no seu idealismo político não apoiados pelo senso comum. Com isso, pesquisas constataram que o antiamericanismo hoje, é mais acentuado do que em qualquer outra época, e, especialmente no Oriente Médio, essa impopularidade atinge níveis bastante elevados. Sem falar que, ao voltar o poder para os iraquianos, muito provavelmente eles não estabeleceram democracia e estarão então nutridos de todo ódio que seus fanatismos lhes conferem o que, por si só, já é motivo de inúmeras atrocidades observadas no cenário atual. Poderia acontecer o mesmo que o acontecido na Argélia em 1992 onde o islamismo apossou-se novamente de poder e restou aos EUA o golpe de Estado.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ética e Moral

Antes de iniciar a dialética sobre o assunto, é necessário acessar os conceitos de ética no cerne da questão, levando em consideração todas as variações que a palavra abrange, bem como, a origem de tais.

Inicialmente é válido considerar a definição breve de senso moral: este é dado por a maneira como avaliamos nossa situação e a de nossos semelhantes segundo idéias como as de justiça e injustiça. Isso leva as pessoas a reagirem das mais variadas formas diante de diversas situações, por exemplo, manifestando indignação ante das injustiças sociais, envolvendo-se em campanhas humanitárias e etc. As situações de horror tornaram-se tão comuns atualmente que algumas pessoas chegam até a banalizar sua gravidade, mas, o fato é que independente do grau de dureza de personalidade a que uma pessoa se permitiu chegar, nem assim deixar de ficar espantado ou indignado com as atrocidades tão comuns nos tempos hodiernos. Atrelado à idéia de senso moral, tem-se a consciência moral, que, resumidamente falando, refere-se à avaliação de conduta que levam as pessoas a tomarem decisões por si próprias, a agirem em conformidade com elas e a responderem por si mesmas perante os outros. É válido mencionar que, o exercício do senso moral aliado à consciência moral, tem arraigado fortemente em si, ou, como pressuposto fundamental, a idéia de liberdade do agente. Eles, enfim, dizem respeito a valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidas ao bem e o mal, ao desejo de felicidade e ao exercício de liberdade, e, fazem das pessoas, agentes morais.

Dito isso, e imperativo mencionar agora que, a partir dessas características, as pessoas passam então a manifestar-se diante dos fatos. É a vez agora do exercício dos juízos que compõem os julgamentos de uma forma geral, e, margeiam os posicionamentos de cada indivíduo. Antes, porém, é válido considerar a diferenciação dos juízos, sim, pois estes possuem duas conotações. A primeira é chamada de juízo de fato, que trata especificamente das constatações factuais, sem com isso, expressar posicionamento em relação a ele. Marilena Chauí, por exemplo, coloca no seu livro Convite à Filosofia, um exemplo muito prático da manifestação do juízo de fato: “se dissermos está chovendo, estaremos enunciando um acontecimento constatado... e este juízo proferido... é um juízo de fato”. Portanto, é razoável concluir que o juízo de fato se manifesta através das constatações factuais do realmente existe, referendando-se, é claro, no mundo definido por Platão como mundo sensível. A outra vertente disso é chamada de juízo de valor, este, por sua vez, avalia coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos e etc. Isso é, contudo, qualitativo, e, se referência nas impressões pessoais do indivíduo, sua visão de mundo, seus valores, seu contexto social e etc, estes quais, são tomados como normativos, portanto, responsáveis pelo estabelecimento de normas que dizem como devem ser os bons sentimentos, as boas intenções, ações como devem ser e ações livres. Esses juízos assim precedem, respectivamente, da natureza e da cultura. O primeiro é constituído por estruturas e processos necessários, que existem por si mesmos independentemente das pessoas. O segundo, por ter a cultura como precedente, nasce da maneira como os seres humanos interpretam a si mesmos e as suas relações com a natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, intervindo nela, alterando-a por meio do trabalho e da técnica, dando-lhe significados simbólicos e valores.

Passando agora para a moral, um dos objetos a que se destina tratar esta objetiva consideração, normalmente é definida por valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e, à conduta correta e incorreta, válido para todos os membros da sociedade. Pegando o gancho, vê-se aí, a partir das definições anteriores, que o juízo de valor está impregnado nessas normas estabelecidas, e, é completamente influenciado e direcionado pela cultura local. O conceito atual de ética vem concomitante com o conceito da moral, a ponto de, num dado momento, ser difícil, ouso até dizer, impossível, separar ambos.

Oriundo da palavra grega éthos, possui duas traduções, que, numa perspectiva pessoal, se completam entre si. São eles: costume, caráter, índole natural, temperamento, ou, em outras palavras, conjunto das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa. Isso é especialmente fundamental porque a filosofia moral, ou a ética, nasce quando, além das questões sobre costumes, também se busca compreender o caráter da pessoa, seu senso moral e a consciência moral que regem sua vida e seu posicionamento perante a sociedade e as situações que lhes advém. O precursor de tudo isso foi Sócrates, porém, ele não será abordado devido ao cunho objetivo com que está sendo concebida essa análise geral.

Tomando agora uma espécie de estudo de caso para apenas direcionar este trabalho por um caminho específico, embora várias interpretações dêem a ele uma abrangência grande, pense agora, depois de estabelecidos os conceitos preliminares, na dialética de ética e a violência. Conceituando violência, entende-se por toda a forma de imposição de padrões e atitudes que violem os já estabelecidos pelo indivíduo. Isso, atualmente, depois de se determinar, também, a abrangência do conceito, encerra em si toda a sorte de desrespeitos à liberdade individual do ser, passando pela violação ao direito de ir e vir e atingindo os direitos de liberdade de expressão, de opção seja ela religiosa, política, sexual, até às diferenças sociais, sexuais e etc, muito fáceis de serem encontradas na sociedade atual. Nesse aspecto, a ética traz como determinação a manutenção do exercício desses direitos, que, caracterizam exatamente a condição de livre que todo ser humano traz consigo desde o momento de seu nascimento, pelo menos, assim dita as normas e a legislação local. Já que, na cultura local, violência é entendida como toda a sorte de profanação, violação e discriminação possível, a ética, até mesmo pela sua concepção, vem contrapor isso e estabelecer limites de ação aos indivíduos, para que, os mesmos exerçam sua liberdade sem ferir a alheia.

Portanto, considerando que a concepção de seres humanos reside no fato de serem racionais, dotados de livre vontade, de capacidade para comunicação e para vida em sociedade, de capacidade para interagir com a natureza e com o tempo, a cultura difundida define a todos como sujeitos do conhecimento e da ação, e, por isso localiza a violência em tudo quanto reduza o ser humano a um objeto. Então, ao definir e afastar formas de violência, uma cultura e uma sociedade estabelecem um conjunto de interdições que devem ser respeitadas por seus membros. Com isso, fazem perceber que a moral supõe uma distinção fundamental: aquela entre o permitido e o proibido. A ética é normativa exatamente porque suas normas determinam permissões e proibições, e visam impor limites e controles ao risco permanente de violência.