sábado, 21 de dezembro de 2019

Uma Dara de inspiração!


Esse texto nasce a partir de uma idéia fruto duma conversa que começou banal, com o único intuito pitoresco de rir como sempre é feito, e daí saiu uma verdadeira inspiração... Uma inspiração feminina, que se reflete em diversos aspectos da vida cotidiana e em sociedade. Vamos tentar falar de maneira simples sobre abusos físicos e psicológicos discretos, que, em determinadas situações, podem até culminar no infleiz e injusto feminicídio, guardadas a suas devidas proporções. Posto a realidade atual brasileira, que, não exclusiva no mundo, ele, o feminicídio, e práticas similares, como do subjulgar, do agredir, do subtratar fisíca, psicológica e emocionalmente quem se entende inferior ou dominado, trago aqui uma figura real e situações infelizmente reais, além de, lógico, confabular para extensões que podem atingir muitas outras expressões e pessoas na correria do cotidiano. O convite é então, à reflexão. 



Devo registrar que, artigo da Revista Fórum de novembro de 2019, traz a triste notícia do aumento das ocorrências neste país referido (https://revistaforum.com.br/brasil/pesquisa-mostra-que-casos-de-feminicidio-no-brasil-registraram-alta-de-13-em-2019/). Em Portugal, os números reportados em novembro de 2019 pelo Jornal Expresso são bem menores mas não menos injustos e indignantes, nos quais vê-se que, 28 pessoas foram vitimadas fatalmente esse ano. Isso só falando das registradas, sublinhe-se bem. Acrescente-se que a legislação de cá, não prevê ou conhece "Marias da Penha" e toda a sua implicação. (https://expresso.pt/sociedade/2019-11-22-Mais-de-500-mulheres-assassinadas-em-Portugal-nos-ultimos-15-anos.-28-perderam-a-vida-em-2019). Todavia, sublinhe-se também as diferenças de dimensões territoriais e populacionais dos dois países que isso ajudará a entender que os dados não são, linearmente, muito discrepantes. Tem uma série de coisas que entram nessa conta também, as quais não pretendo abordar, para focar no tema proposto aqui. Vou limitar também, que fique avisado, ao meu raio social que efetivamente é o máximo que consigo e pretendo, por isso esas duas fontes.



Nossa personagem aqui será chamada de Dara (tenho muito carinho por esse nome que peguei do João Ubaldo Ribeiro em Viva o Povo Brasileiro, amo!). É uma constante que na vida, nem tudo se pode e que se está submetido à julgamentos de todas as maneiras e em todas as esferas sociais... até aqui nenhuma novidade! A nossa personagem Dara, se apresenta como uma Mulher em maiúsculo, desbravadora e quebradora de paradigmas (espera só pra ver, continue lendo), ainda que aparentemente fazendo parte do estereótipo de que toda sociedade condicionada e impregnada de preconceitos, concebe. Separe-se aqui a idéia de preconceito que é um outro assunto muito mais abrangente e complexo, não é esse o objetivo a tratar... me refiro, nesse caso, aos preconceitos aceitos e naturalizados como socialmente execráveis via de regra e, parte do ideário popular, dada à nossa condição evolutiva hodierna.


Vamos à situação em questão para continuar o diálogo: Abuso psicológico, desrespeito, machismo, depreciação, involução cognitiva, meninice.... e vamos parar as caracterizações dos comportamentos do vilão por aqui pra não mudar o tema do diálogo. Entretanto, atitudes subjetivas e práticas tipicas de uma sociedade infelizmente, ainda SUB, mesmo sem generalizações pretendidas. No referido caso, essa linda Dara, que para ajudar a entender um pouco do seu contexto pessoal, é praticante da religião dominante no Ocidente (por conseguinte imagine o que essa informação lhe diz à partir da imagem que lhe veio à mente com ela), certa dos seus ideais, protegida pelo amor de uma família que sempre está pronta para a luta, tal qual uma tribo, à fim de defender os seus, viveu determinadas experiências mas que, o seu exemplo de resposta, me veio como possibilidade de inspiração para outrem, por isso o motivo desta publicação. Mas puxa vida, não saio dessas contínuas introduções de Dara né? Vamos à situação objeto:



Imagine uma pessoa que viveu sua juventude numa realidade adversa, lutou, se educou e consquistou seu espaço social e profissional. Dito isto, acrescente-se a sua devoção forte, concisa e segura às suas crenças e práticas religiosas, repito, da religião ocidental dominante. Aqui o primeiro contraponto às introduções feitas, pois, a consciência de ser social e humano não lhe faltou na circunstância a ser abordada nesse exercício e, por isso, se justifica o objeto da conversa neste que é apenas diálogo simples, antes que qualquer pretensão de um postulado, para tentar falar, de maneira simplória e incompetente, de uma prática cada vez mais, infelizmente, tão presente e variada na atualidade. 



Pois bem, nossa heroína de hoje, dentro daquele contexto religioso do casar com o homem que te respeite, que vai liderar sua casa, porque assim lhe fora doutrinado, e que o matrimônio seria sua maior expressão do amor e união de dois, ao final se tornando UM, além de todos os clichês consoantes à ocasião... Lindo né? E o que se faz quando o que agrava é ter um contexto, concomitante, de um enlevo social tão próximo e íntimo, que, sobretudo, te influencia a manter qualquer situação independentemente qual seja o custo do sacrifício material, pessoal e subjetivo, porque esse é o papel que você nasceu para representar? 


Bem, depende.... Senta aqui pra a Tia explicar: O primeiro ponto de ponderação que ouso colocar aqui é, até que ponto se deve abrir mão de si por uma imagem ou vida social que corresponda ao que o outro pensa ou espera? Para a nossa guerreira aqui, nenhum hífen seria aceitável. Agora vou elencar algumas situações de foro íntimo que, se entraram neste texto, passaram antes pelo crivo e autorização da protagonista:

- "Mulher tem que ter minha roupa e sapatos limpos se pensar em sair comigo, porque eu não posso fazer figura de sujo e tampouco lavar e cuidar dessas atividades inferiores tendo uma mulher dentro de casa. Ainda que seja uma mulher que trabalha muito fora para contribuir para as finanças domésticas."

- "Mulher não pode vestir o que eu não quero e gosto, ainda que não seja vulgar, desrespeitoso, ou insinuativo (Lembra que Dara é religiosa praticante e, para além disso, SE RESPEITA MUITO!!!)."

- "Quando a mulher não aceita que eu não quero que ela use aquela roupa, EU, macho alfa, posso te molhar ou sujar com um copo de água para lhe forçar trocar a roupa que eu, sem o mínimo de razoabilidade impliquei. Ainda bem que Dara reage sempre à tudo e nesse caso, devolveu com uma panela cheia d'água e prometeu que a próxima seria fervente.... situou o meliante agressor."

- "Por último, o querido marido, revelador de si mesmo só após o casamento, que durava apenas 2 meses, resolve, numa viagem, não ir pois o seu chinelo não recebeu o milagre de aparecer instantaneamente limpo, após ser deixado sujo e, (tem gente que leva a fé às últimas consequências... rs), porquê, mesmo em detrimento `isso, a rebelde esposa resolveu não desmarcar não satisfazendo ao seu capricho, ou pior, não realizou o seu milagre esperado. Continuando, Dara foi sozinha à viagem de folga previamente organizada, na companhia dos amigos casados, igualmente religiosos e respeitadores. O que fez o nosso vilão? Sumiu no mesmo dia e, após a sua volta, se recusou a qualquer contato e blablabla.... resumindo: ao menos 15 dias sem pisar em casa. Considere os longos 3 meses de casados apenas, numa tradição que este é o período que normalmente tudo ainda são flores."

Isso tudo acima já revolta o suficiente à qualquer ser humano minimamente pensante e o faz já querer distância né? Dá pra entender de onde começam os abusos maiores e as mais fortes, até mesmo com fatais consequências? E pensar que ainda tem o jogo comumente usado de se fazer de vítima arrependida e filho da esposa, para ainda tentar fazê-la sentir culpada por não atribuir-lhe o tratamento materno e condescendente para desvios expostos de caráter. "Casou ou foi adotado querido?"

Resultado da saga: Divórcio em poucos meses de casados, destemidamente, altivamente e totalmente independente, após uma fuga cinematográfica de casa para o refúgio materno e, o que é mais surreal, aguardo certeiro de rastejamento e busca desesperada (dela) de perdão como tentativa de recuperação marital. Dá pra crer? Doravante, o que na prática ocorreu foi: Oficial de justiça entregando no endereço da família a convocação para a audiência de divórcio e, com direito a espanto total da decisão, além da certeza que isso seria revertido com certos discursos e atuações igualmente teatrais que não vale a pena alongar aqui. Imagino que, dentre outras coisas, não tinham entendido quem era efetivamente Dara, por isso tanta surpresa e choque. Tem noção do que representa essa atitude da nossa heroína aqui e o recado poderoso de: "eu não preciso de você, nem emocionalmente, e não vou permitir que essa prática, já manifesta no início da relação, continue a acontecer pois sei que é um processo em constante crescimento e que não se pode prever o seu fim e eventuais consequências"?

A maior lição que, na minha interpretação, fica e pode inspirar muitas outras mulheres e minorias: NÃO PENSE QUE VAI MELHORAR... ACABE MESMO NO COMEÇO E NÃO SE IMPORTE COM O QUE VÃO PENSAR. "Oxi menina, vá-se imbora que tem mais vida lá fora, rumbora que a vida é maior do que qualquer situação específica!" A vida à dois, é para ser feliz para os dois. 

Os problemas, a vida já se encarrega de trazer e, juntos, vão resolver, amenizar esquecer, superar, lutar... ou seja lá o que queiram. Mas o problema não pode ser o outro, ou não se tem que suportar o outro como problema porquê se tem um procedimento consequente de uma exposição de recém-casados-rompidos a evitar! (criei a expressão rsrs). A sociedade não vive sua vida nem a sua casa, mas tenta te impor todos os dias como você deve viver cada detalhe da sua vida nela. Exposição pior é ser infeliz pra dar satisfação a quem não se deve! Como isso serve para tantas outras coisas.... É imperativo ser influenciado pelo meio, mas isso também tem e deve ter o limite da subjetividade e do exercício da individualidade saudável. Cada um é responsável por colocar o seu limite tão logo julgue necessário. 

O que a nossa guerreira nos ensina ainda é que, você só é minoria (questionável), mas não mais fraco. Existem caminhos que se deve buscar para fortalecer o que nos edifica antes que àqueles que nos detrata e fragiliza. E sabemos que essa proposição é muito abrangente. Vamos lá nomear, sem estender, para não perder o foco da homenagem reflexiva: negros, homossexuais, índios, minorias étnicas e religiosas, minorias políticas.... e outras que não tenho conhecimento ou que não lembrei agora. O grito de liberdade vem de dentro. O aceitar é permissivo. O ser feliz consigo mesmo, É libertador! Que cada vez menos mulheres se sintam responsáveis por manter uma relação com sinais de abuso, seja ela qual for. No caso da nossa Dara foi casamento formal e tradicional. O ser feliz à dois, é responsabilidade dos dois. Em alguns lugares isso já nem é mais tema, porém a minha origem ainda me faz debruçar sobre isso pois faz parte de mim e do que busco resolver enquanto pensamento. 

Por isso, agradeço profundamente à Dara por compartilhar seu depoimento com tantos detalhes e me permitir escrever esse simples relato que tem como único objetivo, inspirar mais mulheres e, quiçá, outras pessoas que talvez se identifiquem! O pensar fora da situação e da caixa, liberta!

Finalizo deixando como sugestão de leitura: A Amante de Bretch, Greta (Mônica de Castro), O Preço de ser Diferente (Idem), Dom Casmurro (Eterno e amado Machado de Assis), Liberdade (Hans Kelsen), Felicidade ou Morte (Leandro Karnal e Mário Sergio Cortella), Bárbaros e Iluminados (desbravador em pensamento social, não lembro o autor e olhe q li ano passado.... Velho!). Certas leituras ajudam a abrir a caixa! Força Daras, espero que tenha orgulhando mais gente além de mim. Parabéns!